The gravity of COVID-19 is a typical problem of complex systems
O Brasil completou seu primeiro mês (no dia 26/03) desde a identificação do primeiro infectado pelo novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, causador da pandemia de Covid-19. Nessas primeiras 4 semanas foram inúmeras as estratégias discutidas para o combate e mitigação da pandemia. Para além das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), órgãos oficiais como Vigilância Sanitária, universidades e centros de pesquisa, e profissionais especialistas em infectologia e epidemiologia reiteram as medidas e estratégias divulgadas para esse combate, em especial a importância do distanciamento físico (também conhecida como “quarentena” ou “lockdown”). No entanto, informações, às vezes, contraditórias, ou mesmo informações parciais, fazem as pessoas não terem certeza sobre a dimensão da pandemia, e isso, associado ao medo de uma recessão econômica, tem feito algumas pessoas questionarem a necessidade ou efetividade de pedir que as pessoas fiquem em casa.
O processo de tomada de decisões, no nível pessoal e organizacional, o que inclui a gestão pública, depende do nível de informação que se possui acerca do problema avaliado. Quanto mais abundantes as informações e a clareza acerca do problema, suas alternativas e possíveis cenários futuros, mais estruturada e matemática é a decisão. Quanto mais escasso o conhecimento, maior a incerteza e maior a tendência em se buscar velhas práticas (conhecida na literatura científica como Heurísticas) para solucionar o novo e desconhecido problema. O caso da pandemia pode ser entendido como um problema pouco estruturado, pois não se observou um fenômeno de tamanha magnitude nas últimas décadas. Embora outras epidemias tenham ocorrido, a atual tem características muito próprias o que eleva o nível de incerteza.
A pandemia de COVID-19 é um problema de sistemas complexos, em um cenário de muita incerteza, o que dificulta sua compreensão e faz com que a busca de soluções simples não seja efetiva. Em sistemas complexos, as organizações (incluído aí também os governos) devem lidar com algumas questões importantes apontadas por Hamilton Carvalho[i], como a não-linearidade, mudanças de escala no tempo, dependência do caminho escolhido, resistência a políticas públicas adequadas, necessidade de adaptação frente às incertezas, balanço de poderes e narrativas, entre outros.
O que provoca tamanha gravidade no caso da COVID-19 é o que chamamos de “efeito cascata”, em que diferentes problemas interagem e se multiplicam, porém muitas vezes só ouvimos falar de um ou outro desses problemas, e por isso não conseguimos enxergar o cenário completo. Vamos tratar de alguns destes problemas a seguir.
Pense na seguinte analogia:
Imagine que você tem uma empresa de telefonia (SAC), com cerca de 100 funcionários. Considerando seu histórico dos últimos anos, a cada minuto, a empresa recebe cerca de 65 ligações, e é importante ter alguma folga na sua capacidade, pois, às vezes, um funcionário fica doente (no caso de um hospital, poderia ser um equipamento em manutenção, por exemplo), ou alguma ligação dura mais do que o esperado (um paciente mais grave, que precisa de mais dias, semanas ou meses na UTI). De repente, sem aviso prévio ou tempo para aumentar sua capacidade de operação, cerca de 260 passam a tentar acessar seu call center a cada minuto. Ou seja, será necessário priorizar o atendimento, e pelo menos 160 dessas pessoas a sua empresa não conseguirá atender… Trazendo para a situação da pandemia de COVID-19, é o que está acontecendo na Itália, onde os médicos precisam escolher, “na porta do hospital”, quem será atendido e quem morrerá.
Problema 1 – Alta taxa de contágio
Enquanto na gripe comum, a taxa de contágio é de 1,3 (ou seja, uma pessoa contamina outras 1,3 pessoas), no caso da COVID-19 essa taxa é de 2 a 3. Um dos fatores que contribui para essa taxa mais elevada é o fato de pessoas ainda sem sintomas já passam o vírus para outras pessoas nos primeiros dias da infecção, sendo que os sintomas só vão aparecer depois. Sem o distanciamento social, um estudo do Imperial College estima que 160 milhões de pessoas possam ser infectadas, só no Brasil[ii]. Embora tenha-se comentado muito nas primeiras semanas da epidemia que o COVID-19 tenha baixa letalidade (taxa estimada em 1% dos infectados), é importante ressaltar que sua disseminação é mais veloz do que outros vírus já observados, por exemplo o SARS, como se observa no gráfico a seguir. Esta velocidade, eleva rapidamente a demanda pelo serviço de saúde, que inclui infraestrutura, insumos e mão-de-obra especializada, o que esgota a capacidade do sistema.

Problema 2 – Taxa de hospitalização
Outros problemas de saúde (gripe comum, acidentes, ataques cardíacos e outras doenças) já ocupam boa parte dos leitos de UTIs atualmente (estimativa de 65%) no Brasil. O sistema de saúde (público e privado) não está preparado para lidar com mais de um grande problema, ao mesmo tempo.
A taxa de hospitalização COVID-19 atualmente está em torno de 11% no Brasil[iii], mas esse número deve ser menor, pois os casos ainda estão subnotificados devido à falta de kits de testes. O estudo do Imperial College estimou que, no cenário sem o distanciamento social, haveria cerca de 5 milhões de pessoas precisando de atendimento hospitalar. Se apenas 10% dos hospitalizados precisassem de respiradores mecânicos, seriam 500.000 pessoas nessa situação. Considerando que o sistema de saúde tem apenas 35% de sua capacidade ociosa, isso resulta em cerca de 20.000 respiradores mecânicos disponíveis neste momento (de um total de 61.000).
Problema 3 – Outras doenças
Pela sua gravidade e morte iminente, a prioridade dos hospitais vai ser tratar pacientes com COVID-19. Isso significa que pessoas com outros problemas ou doenças críticas (lembre-se que 65% dos leitos de UTI já são ocupados por pessoas nessas condições) que precisariam do acesso ao hospital, não poderão fazê-lo. Além delas, pessoas com problemas menos graves também não terão tal acesso, e apesar delas não morrerem de forma iminente, no acúmulo de casos isso pode levar à redução do tempo de vida ou de mortalidade em alguns casos. Portanto, seria de se esperar que houvesse aumento na mortalidade não apenas decorrente de COVID-19, mas também de diversos outros problemas e doenças.
Problema 4 – Obtenção de insumos
Além de hospitais e leitos de UTI, são necessários diversos insumos hospitalares, como os já citados respiradores mecânicos, máscaras N95, reagentes e kits para teste da doença, álcool em gel, entre muitos outros. Muitas empresas estão mudando seu processo produtivo, deixando outros produtos de lado e se concentrando na produção destes insumos essenciais, mas mesmo com as tentativas de aceleração, a estimativa é de 2 a 6 semanas[iv] para que a quantidade necessária de alguns insumos fique pronta. Para piorar ainda mais este cenário, há notícias de que o governo dos EUA está comprando insumos internacionais que seriam destinados a outros países, como o Brasil.
O “efeito cascata” é derivado da conjunção destes problemas, que se agrava em um cenário sem a existência de uma vacina e sem ações de mitigação ou supressão. Daí a importância de pelo menos mitigar os danos, buscando “achatar a curva”, como muitas pessoas vêm comentando. Na contramão tem-se iniciativas de diversas organizações para lidar com o desabastecimentos de insumos, por exemplo empresas de diferentes ramos destinando parte de sua capacidade produtiva para fabricação de álcool antisséptico e máscaras de proteção, além das pesquisas nas universidades tanto na área de medicamentos e vacinas, quanto no desenvolvimento de equipamentos de baixo custo para suprir a demanda durante o pico da pandemia.

Em um cenário com a maioria da população ficando em casa, a taxa de contágio cairia, ajudando a aliviar o sistema de saúde, e permitindo maior tempo para que (1) as pessoas se curem e liberem os leitos de UTI e respiradores mecânicos, e (2) a indústria consiga produzir novos respiradores. Ou seja, precisaríamos frear bruscamente a quantidade de pessoas infectadas para que se possa atender a todos que precisam de auxílio hospitalar. E nesse momento isso só é possível com o distanciamento social, que ajuda a “quebrar a corrente” da disseminação da COVID-19.
Para além destas questões, o governo deve ainda buscar formas de aliviar outro problema complexo que emerge da quarentena – e que seria ainda mais intenso no cenário sem quarentena –, que é a recessão econômica, amplificada pelo atual cenário de desemprego, trabalho informal e alta desigualdade social.
Para acompanhar a situação em diferentes países, e comparar com a situação do Brasil, uma sugestão é o site “Flatten the Curve”, que possui um gráfico dinâmico atualizado diariamente (https://flattenthecurve.co.nz/).
[i] https://i2insights.org/2020/03/17/fifteen-aspects-of-complex-systems/
[ii] https://www.imperial.ac.uk/media/imperial-college/medicine/sph/ide/gida-fellowships/Imperial-College-COVID19-Global-Impact-26-03-2020.pdf
[iii] https://noticias.r7.com/saude/covid-19-117-dos-pacientes-no-brasil-evoluiram-para-casos-graves-26032020
[iv] https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/03/26/interna_nacional,1132724/producao-de-novos-respiradores-levara-pelo-menos-15-dias.shtml