O movimento antivacina e a COVID-19: uso do marketing social como estratégia de enfrentamento
A luta contra o COVID-19 acontece em diferentes níveis. Enquanto alguns estão na linha de frente buscando atender aos pacientes, outros estão nos laboratórios pesquisando remédios e até mesmo vacinas. No entanto existe uma outra luta, que acontece fora dos holofotes das redes de televisão e das coletivas de imprensa, mas que infecta e adoece as pessoas. São os movimentos nas profundezas da Internet que se lançam a disseminar desinformação para fomentar o caos e dificultar as ações de todos contra a doença. Um dos temas que aglutina essas pessoas são os movimentos antivacina.
Análise realizada pelo grupo União Pró-Vacina da Universidade de São Paulo analisou as postagens realizadas pelos 2 maiores grupos antivacina do Facebook entre os dias 15 e 21 de março e identificou que esses grupos estão focando seus esforços na desinformação a respeito da COVID-19[1]. A reportagem aponta “Os métodos da desinformação continuam os mesmos: distorcer conteúdo científico e jornalístico, espalhar teorias da conspiração e até oferecer falsas curas usando produtos conhecidamente tóxicos para a saúde humana”. O conteúdo é transmitido principalmente por meio de links (38%), vídeos (33.3%) e imagens (23,9%). Como cientistas e pesquisadores da área de TCR (Pesquisa Transformativa do Consumidor) e da Saúde temos uma preocupação central em transmitir informações corretas ao público, garantindo o bem estar geral do consumidor. Diante disso, o objetivo deste artigo é discutir o assunto, trazer à luz uma análise do movimento antivacina e discutir como as teorias de Marketing, especialmente de Marketing Social, podem contribuir ao oferecer métodos de comunicação que permitam as autoridades e outros interessados a combater grupos que pretendem desestabilizar a população.
Já é sabido que as vacinas são, atualmente, a forma mais eficiente de prevenir uma série de doenças, que já salvaram milhões de vidas e continuam evitando milhões de mortes anualmente. Entretanto, a decisão de não se vacinar ou não vacinar os filhos está dando sinais de crescimento, um fenômeno mundial que preocupa autoridades sanitárias. A queda no índice de vacinação no Brasil já vem ocorrendo há alguns anos, mas em 2019 foi a 1ª vez, em 25 anos, que o país não atingiu a meta de vacinar 95% do público-alvo em nenhuma das 15 vacinas do calendário anual[2]. A queda no índice de vacinação ultrapassa a esfera individual e passa a representar um problema de saúde pública, pois a partir do momento que pessoas não são vacinadas, criam-se grupos susceptíveis a contraírem doenças que até então estavam praticamente eliminadas.
Conhecido como “movimento antivacina”, ele se fortaleceu no final da década de 1990, com a publicação de um estudo em uma renomada revista científica, com resultados manipulados pelo médico britânico Andrew Wakefield, onde ele relacionou uma vacina ao autismo, na tentativa de criar uma “nova teoria” de que o sistema imunológico pode sofrer uma sobrecarga com a imunização. Obviamente as contestações começaram a ocorrer e a farsa foi descoberta, a renomada revista publicou posteriormente uma retratação pública pelo erro, porém a falsa notícia já tinha chegado aos ouvidos do movimento antivacina[3].
Mesmo a vacinação sendo notoriamente uma das maiores conquistas da humanidade, isso não impede que grupos pulverizem informações falsas (as famosas “fake news”) pela internet, ganhando adeptos e espaço especialmente nas discussões em redes sociais, por exemplo com discursos de evocação às liberdades individuais. A disseminação de informações falsas nas redes sociais, local de convívio em tempos de pandemia e quarentena, impacta na percepção do risco individual e coletivo das pessoas, e por consequência na escolha de vacinar-se, alterando comportamentos de forma negativa e comprometendo o bem-estar da sociedade[3,4].
No contexto atual, onde há muitas incertezas e aspectos desconhecidos de uma nova doença (COVID-19), são inúmeras as notícias falsas envolvendo os mais diversos assuntos, colocando em descrédito autoridades e novamente alterando a percepção de risco individual e coletivo. Isso pode favorecer a construção de uma realidade que passa a se construir sob o peso e pelo anseio por certezas que reduzam ou eliminem a complexidade da tomada de decisão. No âmbito da saúde, os discursos formais diluem suas mensagens, novas tensões surgem perante os riscos mal identificados, embora intensamente sentidos pela sociedade.
Na análise realizada pelo grupo União Pró-Vacina da Universidade de São Paulo, mencionada anteriormente, eles informam que a maior parte dos posts foi sobre a pandemia da COVID-19, dos quais “78,4% apresentam sérios problemas, como a disseminação de teorias da conspiração, utilização de informações falsas e de afirmações sem evidências, a distorção de informações confiáveis, a sugestão de uso e até a comercialização de produtos e tratamentos que não possuem comprovação científica ou aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)” (Thais Cardoso)[1]. Por exemplo, há posts que sugerem que há relação entre infectados com COVID-19 e vacinas tomadas em anos anteriores, ou que a vacina contra a gripe aumenta as chances de ser infectado pelo coronavírus, ou ainda que a COVID-19 é resultado de um experimento chinês com vacinas.
Neste cenário, o Marketing Social pode ser um aliado importante na busca para compreender quais fatores são antecedentes e influenciam um comportamento de risco, como estes comportamentos ocorrem, e que ações podem ser tomadas para que as barreiras na mudança de comportamento sejam superadas. Trata-se de um modelo de mudança de comportamento, um processo que aplica princípios e técnicas tradicionais de marketing para influenciar os comportamentos do público-alvo que beneficiam a sociedade e o indivíduo[5]. Um exemplo claro da efetividade das ações de marketing social na mudança de comportamentos sociais são as campanhas de combate ao tabagismo, com a OMS declarando que o Brasil é um exemplo para o mundo na redução de consumo de tabaco[6]. Nos últimos 13 anos, houve queda no consumo em todas as faixas etárias, sendo que 78% das pessoas que buscaram atendimento no SUS devido a problemas relacionados ao consumo de tabaco, conheceram a Ouvidoria do SUS por meio de comunicados em maços de cigarros.
Uma boa ação de marketing social deve considerar o perfil do público-alvo, e se há mais de um público-alvo a ser atingido (por exemplo, pais que não costumam vacinar seus filhos). Em seguida é necessário desenhar as estratégias para cada um dos 4Ps: produto (características da oferta e benefícios da vacina), preço (tempo, dor, receios e dinheiro – para o deslocamento, por exemplo), praça (postos de vacinação), e promoção (campanhas de comunicação). Informativos e campanhas de vacinação devem apresentar de forma simples, clara e objetiva[7], informações como: doenças que podem ser prevenidas e quais já foram erradicadas por meio de vacinas, número de pessoas salvas todos os anos, e porque a não vacinação é perigosa para todos, para o coletivo, e não apenas para quem não se vacina. O mais importante é que seja escolhida uma única mensagem, de forma a aumentar a efetividade da ação. Além da mensagem e da resposta esperada, é importante que o mensageiro seja uma pessoa que gere confiança no público-alvo, que sejam respeitados como agentes de mudança (por exemplo, pediatras, ou celebridades que mostrem a importância de acreditar nas autoridades médicas e/ou sanitárias), e que tenha os mesmos objetivos (histórias de pais e mães que vacinaram seus filhos)[8].
Outra questão importante é que a comunicação deve ser customizada para cada público-alvo, uma vez que as razões para não vacinação variam conforme a idade e o tipo de vacina. É importante que se levantem questões como “Quais abordagens ajudam a influenciar o comportamento na direção da aceitação da vacinação?”, “Deve-se ressaltar os benefícios de curto prazo (ser um bom pai, uma boa mãe) ou de longo prazo (não contrair uma doença)?”. Essas abordagens precisam ser testadas, para que se possa analisar qual será mais efetiva. E por fim, cabe também uma abordagem de reforço do comportamento positivo para o público-alvo que segue corretamente o calendário de vacinação[9].
Por outro lado, as redes sociais podem desempenhar um papel importante, não apenas como uma mídia para campanhas de vacinação, mas também inibindo postagens com informações falsas, distorcidas ou prejudiciais à população, como observado recentemente no caso da pandemia de COVID-19[10]. Inclusive, esta é uma crítica recorrente às plataformas de redes sociais (como Facebook, Twitter, Whatsapp) sobre a necessidade de filtragem em relação à disseminação de fake news, algo que pode ser prejudicial para o bem-estar coletivo.
É desse modo que o Marketing Social pode ser encarado como uma maneira de somar esforços contra este fenômeno crescente, que são as fake news. Para além da criação de canais oficiais de comunicação é necessário compreender o fenômeno com um todo, e identificar os fatores associados ao comportamento de risco e a tomada de decisão influenciadas pelas falsas informações disseminadas nas redes sociais.
O momento é propício para o desenvolvimento de uma nova vacina, observando-se esforços internacionais para que isso ocorra. Todavia, o movimento antivacina dá sinais de força até mesmo em situações onde as vacinas sequer foram desenvolvidas, demonstrando que o fenômeno ganha força em tempos de pandemia e pode representar um problema de saúde pública complexo e que ganha reforços em meio a disseminação de falsas informações pela internet.
Referências
[1] Cardoso, Thais (2020). Grupos antivacina mudam foco para covid-19 e trazem sérios problemas à saúde pública. Jornal da USP. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-da-saude/grupos-antivacina-mudam-foco-para-covid-19-e-trazem-serios-problemas-a-saude-publica/.
[2] Madeiro, Carlos (2020). Após 25 anos, Brasil não bate meta em nenhuma vacina do calendário em 2019. Portal UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/23/apos-25-anos-brasil-nao-bate-meta-em-nenhuma-vacina-do-calendario-em-2019.htm.
[3] Zimmerman, R. K., Wolfe, R. M., Fox, D. E., Fox, J. R., Nowalk, M. P., Troy, J. A., Sharp, L. K. (2005). Vaccine criticism on the World Wide Web. J Med Internet Res, 7(2): 17.
[4] Organização Mundial da Saúde OMS (2019). Ten-threats-to-global-health-in 2019. Disponível em: https://www.who.int/news-room/feature-stories/ten-threats-to-global-health-in-2019.
[5] Lee, N. R., Kotler, P. (2019). Marketing social, influenciando comportamentos para o bem. São Paulo: Saraiva.
[6] Gandra, Alana (2019). OMS: Brasil é exemplo para o mundo no combate ao tabagismo. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2019-07/oms-brasil-e-exemplo-para-o-mundo-no-combate-ao-tabagismo.
[7] da Silva, E. C., Mazzon, J. A. (2015). Orientação de marketing social às campanhas de saúde da mulher: uma análise da região do grande ABC paulista. Revista Brasileira de Marketing – REMARK, 14(2), 247-259.
[8] Opel, D. J., Diekema, D. S., Lee, N. R., & Marcuse, E. K. (2009). Social marketing as a strategy to increase immunization rates. Archives of pediatrics & adolescent medicine, 163(5), 432-437.
[9] Nowak, G. J., Gellin, B. G., MacDonald, N. E., Butler, R., the SAGE Working Group on Vaccine Hesitancy. (2015). Addressing vaccine hesitancy: The potential value of commercial and social marketing principles and practices. Vaccine, 33(34), 4204-4211.
[10] Hern, Alex (2020). Twitter to remove harmful fake news about coronavirus. The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2020/mar/19/twitter-to-remove-harmful-fake-news-about-coronavirus.
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